Paulo Ruch é jornalista, fotógrafo e teve um passado como ator. Possui um blog que aborda vários assuntos ligados ao entretenimento e, claro, suas significativas críticas teatrais, que não economizam nas palavras e no respeito às equipes dos espetáculos. Nesta entrevista, o jornalista revela que não gosta do termo “blogueiro”, que existe péssimo ator a olhos vistos e, ainda, revela seu respeito à classe artística.
Paulo, me desculpe, mas não vou colocar perfil em sua foto. Os mais sensíveis vão identificar que se trata de um homem apaixonado pela cultura, pelo conhecimento e que respeita o artista como se deve respeitar uma música clássica: em silêncio e sentindo a emoção tomar forma. Quanto aos mais insensíveis, não se preocupe! Depois dessa entrevista, vão olhar para sua foto e terem a percepção que existe algo mágico e transformador nos seus olhos.

Cj Martim: Existe péssimo ator nato? Ou ele é consequência de uma direção desastrada e texto pobre do autor?
Paulo Ruch: Sim, existe péssimo ator nato. Há pessoas que não possuem quaisquer vestígios, por menor que sejam, que as identifiquem como atores, e mesmo assim, insistem de modo ensandecido na prática deste ofício tão complexo quanto importante para a atividade cultural de um país. Na verdade, estes indivíduos, em sua maioria jovens, com o apoio patente de seus pais (o que não existia em outras épocas), não desejam de fato serem intérpretes. O que almejam, em sua realidade crua, são os benefícios cada vez mais volumosos e inestimáveis que o sucesso nesta carreira pode lhes proporcionar.
A televisão é a grande responsável direta por esta distorção acachapante do conceito de ser ator. A fama imediata que a mesma provoca em um suposto artista é tão avassaladora, que o passo para a sua perda absoluta é tão curto quanto a forma com que fora “conquistada”. De um dia para o outro se ganha dinheiro em profusão, os convites para campanhas publicitárias, eventos, presenças e capas de revistas de celebridades e congêneres pululam, além das redes sociais que entraram como mais um meio eficaz de se auferir altos lucros com a sua imagem. Em Em meio a isso tudo, esquece-se irremediavelmente do genuíno sentido da função artística. Para definir estes atores, lembro-me sempre do título em português de um filme do diretor inglês Alan Parker, “Loucos Pela Fama” (“The Commitments”).
E para agravar a situação, bastantes pretendentes à profissão simplesmente não querem estudar. Conhecer a fundo a história da arte da interpretação. A origem do teatro, seus notórios dramaturgos e obras. Já testemunhei a ascensão meteórica de alguns deles, e a sua queda dolorosa num abismo de ostracismo sem retorno. São imediatistas, jamais artistas. É uma triste realidade contemporânea em um dos nossos segmentos da cultura. E para finalizar, não, se o ator é essencialmente desprovido de aptidões para atuar, o diretor tampouco o autor com o seu texto não serão capazes de extrair deste ator uma interpretação que seja minimamente crível.
Cj Martim: Qual era seu diferencial como ator?
Paulo Ruch: O meu diferencial como ator, acredito, era a presença de palco. A presença cênica. O modo como o ator se impõe perante a plateia e os seus colegas. Minha voz era poderosa e audível a todos. Havia em mim uma força natural, acredito, que chegava até as pessoas de um modo que as perturbava, não no sentido negativo do verbo. Entregava-me de maneira intensa aos personagens que me cabiam, posicionando-me em uma arriscada fronteira que delimitava de um lado a boa atuação e do outro o “overacting”. Os diretores e atores me elogiavam, inclusive Maria Clara Machado, uma grande referência para a classe artística. Também me achava bom. Mas era muito jovem, ansioso e inseguro. Fiquei deslumbrado com o novo mundo que se abria.
Trabalhei demais, não obtive qualquer retorno financeiro. Pagava para trabalhar. Não possuía padrinhos. As portas se fecharam. Sofri traumas e humilhações em testes. Não tinha mais condições emocionais de me manter nesta profissão tão prazerosa quanto penosa. Foi difícil para mim admitir que não seria mais ator na vida, que não pisaria mais num palco. Levei anos para aceitar esta condição. Era doloroso até mesmo assistir às peças. Chorei bastante, procurei ajuda, até que me encontrei finalmente na escrita e na fotografia.
De certa forma, retornei à classe artística, algo que jamais imaginava. Fiz amigos na classe que adoro e amo. Hoje estou feliz e realizado com o que eu faço. Agradeço esta segunda chance que tive. Muitos não a têm.
Cj Martim: Suas críticas, no blog, costumam ser grandes em tamanho. Dizem que texto para internet precisa ser curto. Esse é o seu diferencial ou o seu público alvo exige isso?
Paulo Ruch: O círculo da crítica teatral é bastante fechado, restrito e seletivo. Há poucos e bons críticos no Brasil. Como eu, alguém até então desconhecido, entraria neste segmento potencialmente impenetrável? Como poderia concorrer com profissionais que prestam serviços a grandes empresas, e que já eram reconhecidos e respeitados? Como ganhar a confiança e a credibilidade da classe artística? Sim, apostando na diferença. E o fato de não me submeter a nenhum grupo jornalístico me permitiu total liberdade para criar uma nova forma de crítica teatral. Algo que se opusesse ao padrão, ao convencionalismo, às velhas fórmulas da crítica pronta, e ao academicismo que recorrentemente estamos habituados a ver. Claro que as minhas primeiras críticas sobre teatro eram primárias. Fui me aprimorando com o tempo, reconhecendo os meus próprios erros, buscando o formato ideal que se encaixasse nas minhas necessidades e capacidades, e pudesse atingir o público almejado, que reunia não só os atores, dramaturgos, diretores e todos os profissionais da área, mas os leitores em geral.
A crítica teatral para muitos é considerada algo chato, enfadonho e desinteressante. Poucos se sentem impelidos a lê-la, justamente pelo hermetismo e tecnicismos que a açambarcam. Ao meu ver, teria que mudar isto. E a primeira etapa a ser vencida foi exatamente o que disse: ir contra ao que é regra na Internet, ou seja, a simplicidade e superficialidade dos textos, que se exibem curtos em suas linhas. Esta tendência, na verdade, pressupõe um leitor preguiçoso. E o meu intento foi essencialmente buscar um leitor que não se enquadrasse nesta categoria. Mas para tal feito, teria que conquistá-lo. De que forma? Transformar a crítica teatral em uma boa história a ser contada, com personagens, começo, meio e fim, sem preterir, lógico, dos aspectos que a caracterizam.
Nas minhas críticas, veem-se poesia, emoção, sensibilidade, lirismo, denúncia social, um elevado grau de detalhamento do espetáculo, que vai desde a percepção de uma cadeira que passa despercebida no cenário até uma fala relevante dita por um ator que, para o público, talvez não assuma um nível de significância.
Por conseguinte, considero-me um “crítico do bem”, por mais paradoxal que possa parecer. O que vem a ser um “crítico do bem”? Como disse um querido ator, eu procuro ver a beleza do espetáculo, e como disse uma querida dramaturga, “você torce pelo teatro”. Ambos estão certos. Eu procuro a beleza da peça e torço pelo teatro. Provavelmente, estas são algumas das razões que levaram muitos atores a se impressionarem e se emocionarem com os meus textos.
Cj Martim: Conte as dores e delícias de manter um blog.
Paulo Ruch: Quando comecei a escrever no blog, este meio de comunicação digital passava por uma fase de desprestígio. Houve, como sabe, assim que surgiu, o boom dos blogs. Todos queriam registrar seus pensamentos, opiniões, escrever suas histórias, poemas neste novo espaço. Os artistas possuíam blogs. Depois, como quase tudo na Internet, adveio a crise. E os blogs caíram em desuso. Alguns grandes jornalistas, principalmente os da área política, mantiveram-nos, e os mantém até hoje. O blog, no meu entendimento, já carrega em si um peso pejorativo em sua denominação para quem o tem. Ser chamado de blogueiro é depreciativo e reducionista. O termo se tornou ainda mais banal com o aparecimento das “blogueiras de moda”.
No momento atual, qualquer pessoa pode criar um blog, colocar uma roupa, divulgar que se trata do “look do dia”, ditar “tendências”, sem qualquer qualificação legítima para isso, e ganhar dinheiro com esta atividade. Com relação às dores às quais se refere, acredito que uma de suas maiores seria a pressão que sofremos de nós mesmos de mantê-los atualizados, e o cada vez mais curto espaço de tempo de que dispomos nos dias de hoje que não nos permite uma presença constante e assídua nesta ferramenta digital. Jamais devemos ficar presos a números de visualizações, estatísticas, curtidas, comentários etc. Eu, por exemplo, sou seguido por 77 blogs em média, e no máximo um ou outro curte ou comenta o que posto, ao passo que vejo blogs com conteúdo deficitário repleto de curtidas. Irei me abalar com isso? Nunca.
De certa forma, ao se ter um blog, ficamos um pouco reféns dele. Se nos afastamos por um tempo, tememos que não mais sejamos acessados. Não devemos nos importar tanto com esta possibilidade. Devemos seguir com as nossas vidas, e atualizá-lo assim que o nosso precioso tempo permitir. Ademais, exijo de minha parte algo que torna o meu ofício mais laborioso. Não gosto simplesmente de colocar a foto de um ator ou modelo sem que escreva um perfil ao seu respeito. Acharia um “desperdício da foto”. O texto a valoriza. E isto demanda pesquisa e disponibilidade. E quanto à delícia de se ter um blog, creio piamente que seja a plena liberdade que temos em postarmos o que bem quisermos, sem a interferência de um ente hierárquico superior.
Esta liberdade de expressão que não existe de modo absoluto em outros meios de comunicação é irrefutavelmente inestimável para quem possui um blog. Certa feita, um dos mais respeitados intérpretes do país disse que a minha crítica sobre a sua peça foi a melhor e mais completa que leu, “porque eu não tinha compromisso com ninguém”. Ouvir isso de quem você admira é motivador e gratificante. Se me perguntasse se vale a pena ter um blog hoje, agora, diria que sim. Se me perguntasse se um dia eu o abandonaria, diria que provavelmente não. E caso tivesse que fazê-lo, não ficaria nem um pouco feliz.
Cj Martim: O Renato Góes interpreta com os olhos! Como conheceu o trabalho do ator?
Paulo Ruch: Muito pertinente esta pergunta sobre o Renato Góes. Você tem razão, o Renato interpreta com os olhos. Mas vou além, o Renato é um ator que interpreta com a alma, o que é tão raro quanto arriscado. Por que arriscado? Porque ao se interpretar com a alma, lida-se de forma direta e inequívoca com as suas mais profundas emoções. E trabalhar com as suas próprias emoções é muitíssimo difícil e delicado. O ator deve ter o domínio irrestrito sobre aquelas, e não o contrário. Se as emoções dominarem o ator, ele fatalmente se perde, e o personagem se desvia de seu caminho original.
O que aconteceu com o Renato Góes em “Velho Chico”, como o Santo, classifico como um fenômeno, um acontecimento que tão cedo não veremos na televisão brasileira. É um fato isolado, pontual. Bastantes fatores contribuem para que isso ocorra. Texto e direção são fundamentais. A dramaturgia da primeira fase da novela das 21h da Rede Globo escrita por Edmara Barbosa e Bruno Barbosa Luperi, com a supervisão de Benedito Ruy Barbosa, foi memorável, daquelas que ficam para sempre na história da teledramaturgia. A direção artesanal, barroca de Luiz Fernando Carvalho invariavelmente faz a diferença.
Mas nada disso seria possível se não apostassem neste ator pernambucano fantástico, dotado de um carisma devastador, de uma beleza viril envolvente, amparada por certa rusticidade. O seu talento explodiu nas telas. Rompeu as fronteiras estabelecidas, e atingiu o público em cheio, desencadeando um processo de comoção coletiva. Isto, lógico, inspirou-me a escrever um texto somente sobre o ator e seu personagem, intitulado “Renato Góes, o santo forte de ‘Velho Chico’ ”. Enviei ao Renato, e ele ao postá-lo em suas páginas no Facebook disse uma das coisas mais belas que já li em toda a minha carreira: “Nossa!! Fui nocauteado com essa crítica!! Com os olhos inchados de tanto chorar. Lendo e relembrando a trajetória!!! Obrigado Paulo Ruch pela sensibilidade.” Estou nocauteado até hoje com as suas palavras. Foi o texto que mais fez sucesso em todos esses anos de blog. A repercussão foi assustadora, na melhor das acepções. Quase três mil pessoas o curtiram. Algo que me comove até hoje.
Teve um dia em que escrevi para ele na mesma data em que seu filme “Por Trás do Céu”, de Caio Sóh, iria abrir o Cine PE, e lhe disse para jamais se esquecer de suas raízes, de sua gente. Na mesma noite, Renato ganha o prêmio de Melhor Ator Coadjuvante. Agora, irá interpretar Marcelo D2 nos cinemas, em um longa dirigido por Johnny Araújo, “Anjos da Lapa”. Acho que irá nos surpreender novamente. E já está escalado para a próxima novela das 21h da Rede Globo, “A Lei do Amor”, de Maria Adelaide Amaral e Vincent Villari. Será um grande desafio para ele, após o êxito retumbante de Santo.
E quanto à segunda parte de sua pergunta, conheci o trabalho de Renato Góes em janeiro do ano passado, num espetáculo chamado “Cachorro Quente”. Fui para rever uma atriz de teatro e cinema incrível, Rosanna Viegas, e para conhecer o Sasha Bali, que é um super profissional, ator, diretor, dramaturgo, que admiro faz tempo. O Renato estava substituindo outro Renato, o Renato Livera. Confesso que não o conhecia. Quando o vi em cena fazendo mais de um personagem na divertida comédia de Sacha e João Fonseca baseados no texto de Chuck Palahniuk, logo me encantei com as suas composições. Pensei no quanto era bom. Vi ali um ator pronto. Só lhe faltava uma boa oportunidade para que todos passassem a conhecer o seu talento.
Após a peça, como de praxe, tirei as fotos dos atores. Renato, vestindo despojadamente uma camisa sem mangas branca e bermuda cinza, aproximou-se de mim com aquele sorriso honesto e doce. Sem querer troquei o seu nome, e ele elegantemente me corrigiu, falando apenas: – Renato Góes. Um rapaz encantador na sua timidez e simplicidade, com um sorriso, volto a dizer, que não se esquece. Renato é um ator que veio para ficar. Tenho certeza disso. Ele ainda nos trará muitas alegrias. Acredite.

Cj Martim: O fato de ser admirado pela classe artística, eleva o seu ego ou já não impressiona mais?
Paulo Ruch: Sim, bem no começo, quando ainda enviava os textos para os atores pelo Twitter, e até mesmo depois pelo Facebook, e recebia deles uma resposta elogiosa, edificante, positiva, sentia-me vangloriado, esfuziante, com o ego acarinhado. Houve, confesso, de minha parte, um certo deslumbre. Uma vaidade que fatalmente não me levaria para bons caminhos, o que poderia até mesmo prejudicar o meu ofício e a minha conduta.
A experiência, as decepções e frustrações sofridas com o passar dos anos, extremamente necessárias para o meu crescimento, e consequente aquisição de maturidade pessoal e profissional fizeram com que me desse conta a tempo de que as respostas dos artistas eram a consequência natural de meu esforço e dedicação, e de que aquelas não deveriam ser motivo para me tornar refém de minha própria vaidade. Hoje lhe digo com a mais genuína sinceridade que não me deslumbro mais com essa questão. As humildade, sensatez e bom senso no meu ou em qualquer outro trabalho são os meios mais eficientes para se atingir os seus objetivos, por mais óbvia que possa parecer esta afirmação.
Cj Martim: Já feriu alguém com uma crítica? Qual a pior ferida? A provocada por palavras ou física?
Paulo Ruch: Não. Acredito que nunca tenha ferido alguém com uma crítica. O que pode, ou provavelmente aconteceu, é um ator se sentir menos prestigiado do que o outro nos espaços que dedico à avaliação da interpretação do elenco (uma das partes mais difíceis, sem dúvida, de uma crítica teatral). Afinal, estou lidando antes de tudo com pessoas e suas sensibilidades e vulnerabilidades. Estou lidando com artistas, que possuem potencialmente a sensibilidade mais aguçada. Estou lidando com egos e vaidades. Neste momento da crítica teatral, torna-se imperativo que se tenha um domínio acentuado da Língua Portuguesa, principalmente os adjetivos. Estes devem ser escolhidos com critérios definidos a fim de que não se sintam desvalorizados.
Não se deve dizer, por exemplo, que um ator é competente, que um ator é convincente. Competente e convincente na verdade querem dizer que o ator conseguiu alcançar o mínimo necessário para se evidenciar uma atuação aceitável. E isto é ofensivo. Posso também ter magoado alguns artistas por não ter colocado os seus nomes no título do texto, ou por não escolher uma foto em que apareçam. Quando um elenco é grande, tudo se torna mais penoso, desde a criação do título já citado, pois gosto de pôr os seus nomes, até a escolha da foto. Infelizmente, não se pode agradar a todos. Nem a mim mesmo.
No que concerne à pior ferida para um artista, creio que seja algum comentário, por menor que seja, que atinja em cheio a intenção interpretativa do ator. Pode ser algo relacionado à sua voz, ao seu gestual, à sua aparência física. Tudo é muito perigoso e delicado. O papel do crítico é sempre arriscado. Temos a palavra como arma. As palavras possuem um poder de destruição imensurável. Pode-se “destruir” uma pessoa com uma única palavra. Quem escreve tem que ter total consciência disso. Falar mal é muito mais fácil do que falar bem. Eu optei pela segunda alternativa. Portanto, o meu trabalho, não fugindo nunca do contexto de uma crítica teatral, repito, crítica teatral, é muito mais dificultoso e árduo do que aqueles que optaram pela primeira opção.
Cj Martim: O fato de muitas pessoas encararem o universo da moda como algo fútil, incomoda? Uma foto é capaz de “roubar” a alma de um indivíduo?
Paulo Ruch: Não, não me incomoda o fato de algumas pessoas encararem a moda como algo fútil. Acredito até que quando posto fotos relativas a semanas de moda em meu blog ou nas redes sociais devam pensar que eu mesmo sou fútil. Mas a moda em si não é fútil. A Moda possui a sua história. Ela faz parte da cultura de um povo, desde os povos africanos até os orientais, europeus, americanos. Em muitos períodos históricos, as vestimentas e respectivos acessórios definiam o caráter e a personalidade dos homens na sociedade. As roupas serviam também para realçar os níveis de hierarquia em uma coletividade. Quando nos lembramos do Império Romano, imediatamente nos lembramos de como se vestiam os seus imperadores, sacerdotes, escravos etc.
O mesmo ocorre quando nos referimos à civilização egípcia, e seus faraós e todos aqueles que os cercavam, e às populações indígenas. Moda também é arte. Ao se fazer moda, tem-se que desenhar. E desenho é arte pura. Como alguém pode ver futilidade nisso? O que pode ser um sinal de futilidade é o consumismo. Mas esta é outra questão, que envolve diversos fatores. Também acho injusto o preconceito que se tem muitas vezes contra os modelos. É uma profissão bastante digna e sacrificada. O glamour, o sucesso e o dinheiro fazem parte da realidade de poucos, e eles próprios tiveram que abrir mão de várias coisas importantes de suas vidas, como a sua terra natal e a convivência com as suas famílias, para se dedicarem às suas profissões.
Conheço ótimos modelos que tiveram que se mudar para países distantes, até mesmo exóticos sob o nosso ponto de vista, para se estabelecerem na profissão. Os modelos e todos os profissionais da moda merecem todo o nosso respeito. Sem contar a significativa geração de empregos provocada por este mercado para a nossa economia.
Quanto à segunda parte da sua pergunta, bem interessante por sinal, acho que quando tiro a foto de uma pessoa, os chamados retratos ou “portraits”, não “roubo” as suas almas, e sim “capturo” a energia que ela emana em determinado momento. A energia do fotografado, o seu estado de espírito e a sua boa ou má vontade irão se refletir inevitavelmente na imagem registrada. A máquina fotográfica é um instrumento extremamente sensível. Suscetível a energias, assim como todos os demais aparelhos que lidam com imagens. Já houve casos em que alguns fotografados se mostraram resistentes a tirar fotos, e o resultado espelhou esta atitude. A foto não ficou boa. Houve uma interferência negativa nela. Quando recebo este tipo de reação também sou afetado em minha energia. A vontade que tenho é de não mais fotografá-la, mas o dever me obriga a ir até o final. Possuo fotos pelas quais tenho enorme carinho.
As fotos que tirei do Reynaldo Gianecchini, da Maria Fernanda Cândido, da Beth Carvalho (que se maquiou especialmente para mim, antes de um desfile, algo inesquecível), da Nicette Bruno com a sua filha Beth Goulart, do Ary Fontoura, da Marina Ruy Barbosa, da Mariana Ximenes, nossa, são tantas… Há uma luz em cada uma delas. São um olhar, um sorriso e um jeito único específicos daquele tempo, daquele ator, que ficam para sempre. E isto é muito especial.
Cj Martim: O crítico teatral precisa de equilíbrio emocional para lidar com o retorno negativo que uma crítica pode causar?
Paulo Ruch: Sim, total equilíbrio emocional. Mas não é fácil tê-lo. Somos humanos, fracos e sensíveis como quaisquer outras pessoas, a despeito de alguns quererem se mostrar muito fortes e severos em suas escritas. No meu caso, já me alegrei e sofri bastante com a repercussão boa ou má de uma crítica teatral, respectivamente.
Um exemplo de boa repercussão de crítica teatral, dentre tantas outras, foi a da comédia dramática protagonizada por Ary Fontoura, “O Comediante”. Ele gostou tanto do que falei que postou não somente em seu perfil oficial do Facebook, como em seu próprio site pessoal. Senti-me realizado com a empolgação de seus fãs com a publicação, manifestando as suas vontades em assistir à peça. Tudo isto me deixou bastante feliz e recompensado. Certa vez, encontrei-o e ele me disse palavras muito generosas. Um grande ator imensamente humilde e inteligente. O mesmo se deu com Antonio Calloni e Malvino Salvador, além de outros que admiro. No tocante à reação negativa, nunca recebi diretamente uma transcrita em palavras.
Mas o silêncio do profissional para o qual a crítica fora endereçada me magoa profundamente. Acho um desrespeito comigo e com o meu trabalho. Saio de casa para ver a sua peça, dentre tantas que estão em cartaz, dedico um largo tempo de minha vida para enaltecer o seu espetáculo, e o profissional simplesmente ignora o que eu faço? Isto aconteceu algumas vezes. Vejo bastante ingratidão também. Alguns se esquecem muito rápido do que escrevi sobre eles. É triste. Pretendo não mais assistir a peças de alguns profissionais. Estes merecem as críticas ácidas e maldosas dos grandes veículos de imprensa. Nunca me esqueci do que um respeitadíssimo ator de TV me disse: “Não espera, não espera…”. Sábias palavras.
Cj Martim: O suicídio é algo terrível. Mas quando um ator suicida sua arte?
Paulo Ruch: – Com toda a certeza um ator pode “suicidar” a sua arte. Um ator pode ser excelente, mas se não for generoso com os seus colegas de cena, ele “suicida” a sua arte. O mesmo acontece quando o intérprete não tem a humildade de reconhecer que está caminhando por uma trilha errada de composição do personagem. Ele é avisado sobre isto, seja pelo autor ou dramaturgo, seja pelo diretor, seja por um outro ator, ou pelo público. E mesmo assim ele insiste em manter aquela linha de interpretação equivocada do personagem. Um outro exemplo de “suicídio da arte” pelo ator decorre quando o próprio se julga superior a tudo que o envolve. Ele se acha superior ao seu papel, superior à dramaturgia, superior à direção. A sua persona basta. Ele não se importa com tudo aquilo que não lhe diga respeito diretamente.
Este ator acaba sozinho em cena. Não há troca. Até mesmo num monólogo, o ator só existe porque toda uma equipe de profissionais proporcionou para que ele brilhasse no palco. A arte da atuação é coletiva, jamais individual. Egoísmo não combina com a arte, muito menos com a arte da interpretação. A partir do momento que existe um público, o ator jamais pode pensar só em si mesmo.
Admiro muito o trabalho do Paulo Ruch. Não sabia que ele havia trabalhado como ator, agora entendo porque suas críticas são tão sensíveis e tão completas, é porque vem de um profissional que sempre esteve ligado ao universo artístico, alguém que realmente entende e sente a arte.
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Olá, minha querida Izabella Guedes. Também admiro bastante o seu trabalho como atriz. É verdade, o fato de ter sido ator fez com que eu enxergasse de outra forma, de um modo carinhoso e generoso, o trabalho tão digno e nobre dos artistas. Muito obrigado pelo seu comentário . Fiquei bastante feliz. Desejo-lhe sucesso e brilho em sua trajetória nesta bonita profissão.
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Republicou isso em Blog do Paulo Ruche comentado:
Amigos, leiam a entrevista reveladora que concedi ao jornalista Igor Martim. Nela, falo sobre os atores inexperientes que só buscam a fama, como e por que desisti da minha carreira de ator, o que fiz para que as minhas críticas teatrais se tornassem reconhecidas, digo quais são os prazeres e dissabores de se ter um blog, como eu conheci o trabalho do ator Renato Góes, como eu lidei com o meu ego ao ser admirado por parte da classe artística, se eu já feri alguém com uma crítica, como eu rebato os que consideram a moda como algo fútil, o que é tirar a foto de um ator ou modelo para mim, como eu recebo uma reação negativa a algo que escrevi, e na minha opinião, digo quando um ator “suicida” a sua arte. Espero que gostem. É uma entrevista por vezes forte e comovente. Acredito que não se arrependerão ao lê-la. Abraços. Paulo Ruch
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